domingo, 7 de fevereiro de 2010

Necrofobia de si.

      Tudo ao meu redor cheirava a morte. Estava parado por longas horas observando tudo e todos. Não conseguia calcular o contingente de pessoas, pois havia muitas. Ora saiam, ora chegavam. O fluxo estava enorme, por isso ainda não conseguira olhar o morto. O enterro tornara-se um engarrafamento. Tentei chegar mais perto, porém não tive êxito. Eu não havia entendido o porquê eu ainda me encontrava ali, naquele local fúnebre. Algo estava me deixando angustiado. Um sentimento de vazio havia dominado o meu corpo, mas eu não estava me sentindo só.
      Alguns minutos depois, tentando descobrir a face do morto, percebi que tudo estava em silêncio e notei que uma senhora, cujos cabelos brancos já haviam dominado todo o seu couro cabeludo e as rugas delimitavam o preço da sua idade, chorava e soluçava como uma criança que perdera o seu pirulito. Senti pena dela. Desejei me aproximar, mas na medida em que me aproximava, parecia que me afastava mais. Não sei o porquê, mas algo me levava a crer que deveria acalentá-la. Ela precisava de mim. E nem ao menos sabia quem ela era. Parecia alguém conhecida, mas não sabia distingui-la. Apesar disto, algo aguçava o meu instinto solidário. Queria ao menos abraçá-la e dizê-la que tudo ficaria bem.
      Nunca fora bem em acalmar alguém desde que meu único irmão morreu em um acidente de carro, há cinco anos. Desde então, eu vivo para minha mãe, pois havia prometido a ela que nunca a deixaria só. Sempre estaria com ela. É, talvez fosse isso! Aquela senhora me fazia lembrar a minha mãe, que sofrera bastante com a perda do meu irmão. Talvez, eu quisesse protegê-la na tentativa de fazer o que eu não fiz com a minha mãe quando meu irmão morrera. Agora, aquela mulher me fazia chorar. Na verdade, estávamos chorando juntos. Neste instante, as pessoas começavam a jogar as rosas sobre o cadáver. Eu reconhecera aquelas rosas. Eram as minhas preferidas. A cada flor, uma lágrima brotava do meu rosto concomitantemente. Minhas lágrimas me desobedeciam constantemente. Tornaram-se traiçoeiras. As lágrimas da senhora também escorregavam pelas suas inúmeras marcas do tempo presentes em sua face. Então, tentara lhe oferecer uma rosa, mas antes que conseguisse, o único espinho que existia havia me espetado. E antes que eu pudesse notar, três gotas de sangue caíam sobre o corpo do rapaz. Ah, aquelas delicadas flores vermelhas, naquele instante, cheiravam a morte. O indistinguível aroma se transfigurava morbidamente. E o vermelho de suas pétalas me lembrava sangue. Dor! Dor foi o que eu consegui sentir no momento. E eu via tais rosas cobrindo lentamente o corpo daquele homem de aspecto jovial. Tudo caminhava lento. Até as minhas idéias. Entretanto, o choro incansável da pobre senhora dava ritmo ao momento fúnebre. De repente, além do infindável choro da comovente senhora, aparecera uns sons melancólicos que foram se transformando em uma marcha fúnebre. Aqueles sons pareciam aumentar a cada momento, e eu escutava um chamado. Não conseguira saber quem era e o que dizia. Entretanto, era envolvente e tentador. Algo me levava até a voz que me convidava a algo. Quando estava me encaminhando até a voz, algo me trouxe novamente para a mórbida cena. Filho! Foi isso que eu escutara. Era a senhora que se desesperava ao ver uns homens de preto se preparem para fechar o caixão e enterrá-lo. Por que aquilo centralizava toda a minha atenção? Não sei, não sabia me responder. Algo me sufocava à medida em que o caixão era suspenso e descia por entre aquela terra úmida. Conseguira sentir em minha própria pele os vermes festejando à espera da putrefação daquele corpo. Um calafrio dominou minha pele. Olhei pro céu, o sol estava lá, mas parecia que estava nublado.
      Nada me agradava, naquele momento. Novamente, aquela senhora aflita demonstrava o quanto ainda precisava daquele homem que estava morto. Ela não queria se desligar dele. Ela queria morrer. Rapidamente, seguraram-na, evitando que ela se jogasse juntamente com o caixão que já estava há metros daquela multidão que assistia ao enterro. A senhora que reconhecera sua impotência diante das pessoas que a seguravam, começava a cantar uma cantiga que seu filho adorava quando era criança. Que bela cantiga! Quando dei por mim, também estava cantando juntamente com aquela senhora. Não! Não era possível. Agora, entendia tudo e ao mesmo tempo não entendia nada. Meus pensamentos explodiam dentro de mim, deixando-me confuso. Meu corpo todo endureceu e estava gélido. Entretanto, sentia minha pele queimar. Tudo ardia! Meu corpo tornara-se um vulcão e o meu sangue saia feito chamas do meu corpo. Minhas lágrimas, agora, evaporavam. Tentei me mover, escapar daquilo tudo. Desejei fugir. Contudo aquela cantiga me prendia. Gritei! Ninguém me respondia. Gritar era um fracasso. Os choros abafavam minha voz, principalmente o choro daquela senhora que agora eu finalmente a reconhecera. Pobre mãe!

6 comentários:

  1. Quando li o primeiro parágrafo tinha sentido a intenção do texto: "Certamente, esse é o funeral do rapaz", pensei.
    No entanto, você consegue esplendorosamente fazer um suspense e detalalhar toda a imagem do discurso.
    Mil parabéns!
    Meu parabéns!

    ótimo texto.

    Seguirei teu blog!

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  2. belo texto, voce escreve muito bem cara.. voce é otimo para passar a ideia do texto para o leitor
    parabens cara

    http://viniciusoliveiraa.blogspot.com/

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  3. Olá!
    Amei o texto!
    Forte, intenso e muito bem escrito!
    As imagens poéticas são excelentes e muito me fizeram pensar.
    Seguirei seu blog para acompanhar suas postagens e ler as outras.
    Adorei mesmo!

    Abraços

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  4. Excelente texto, amigo :D Você é um ótimo narrador.

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  5. macabro!

    adorei o blog, vou seguir
    http://drehluvz.blogspot.com/

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  6. estou sem palavras, sem fôlego

    parabens pelo texto, meu amorrrr
    tá incrível!

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