domingo, 28 de fevereiro de 2010

ArQuiTeTaNdo o FuTuRo

O tempo corre
Em ritmo acelerado:
Destrói portas,
Mancha janelas,
Fragmenta relações.
No entanto, ventos sopram os nossos desejos
E trazem nossas recordações
Colorindo os nossos excêntricos momentos.

Desenho à giz
Delineando as portas que abrem
Aquelas lembranças
Dando-as um sabor nostálgico
Que vaga no estreito corredor de nossas mentes.
Inconscientes!
Mergulhe nesse retrocesso
Eu estarei lá.

Consigo enxergar além das suas
Janelas de vidro
E observo conceitos impostos
Inválidos!
De uma boneca de porcelana
Com fortes expressões de Cazuza
E rock and roll.

Os ecos daquele tempo estão
Batendo na porta
Abra!
Deixe-os entrar!
Agora, venha tomar um suco de melancia
Pois, esta casa ainda não foi demolida
E o telhado está sendo projetado...

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

(Prisioneiro em carne viva)


      Há muito tempo ele se sentia um prisioneiro sem saída. Entretanto, não um prisioneiro comum, daqueles que cometem atos, ou infligem a Lei e que posteriormente vivem presos dentro de uma cela. Não! Ele não havia cometido nenhum crime ou praticado atos ilegais. Até então, considerava-se honesto. Quiçá, ele realmente fosse. Não sabia quem realmente estava o julgando ou talvez soubesse, mas não poderia afirmar. Não tinha provas, apenas percepções. Estavam-no privando completamente da sua liberdade porque ele havia formado suas próprias opiniões. E elas não eram ilícitas. Eram apenas dele.
      Ele não se encontrava em uma cela normal, com paredes que delimitam o seu espaço, a sua liberdade. Nem ao menos existiam correntes ou algemas. O que existia era um corpo. O corpo daquele rapaz. Este, sim, o prendia, não lhe permitindo qualquer tipo de manifestação de idéias ou sentimentos. Suas vontades e desejos estavam condenados, visto que seu corpo os guardava para si como um baú. E isto o deixava sufocado, pois sempre que ele tentava se expressar, tudo voltava para dentro de si como uma espécie de rigidez do seu isolamento. Com isso, cada vez mais aquele homem se sentia aprisionado e isso o tornava apavorado. Ele sentia seus espaços diminuírem, na medida em que sua claustrofobia se agravava. Sim, ele era claustrofóbico e possuía inúmeras fobias, as quais o acompanhavam durante sua vida. Em virtude disto, ele tentou várias vezes fugir. Contudo, não podia fugir dele mesmo. Não havia saídas. Ele não sabia por quanto tempo estaria preso. Talvez quando suas opiniões fossem aceitas... Será que iria demorar? Não sabia. Apenas não aceitava permanecer trancafiado na sua prisão em carne viva, onde ele era palco de constantes lutas entre o seu corpo e suas idéias. Não sabia quem sairia vitorioso, pois apesar dos seus pensamentos serem mais ágeis, seu corpo era mais resistente. Esses perpétuos conflitos estavam-no destruindo lentamente. Então, pensou em se adaptar. Dançar no ritmo do seu corpo. Segui-lo ou talvez, aceitar as opiniões impostas. Desse modo, tentou reformular seus conceitos, abdicá-los. No entanto, não foi fácil. Não é fácil mudar o nosso próprio eu.
      Tudo isso é tão complexo de compreender. Confesso que nem ele entendia. Apenas tentava. Achava difícil entender o porquê que as suas idéias não estavam em perfeita sintonia consigo. Ou melhor, com seu corpo. Suas atitudes e ações não se mostravam mais coerentes com suas idéias, percepções e vontades. Uma verdadeira antítese dentro de um paradoxo. Em síntese, seu corpo se desligava de si. Não me refiro ao corpo como uma estrutura biológica, mas sim como um cárcere. No mais, ele... Ele era as suas idéias e o seu corpo era apenas uma casca ou talvez uma embalagem que futuramente chegará ao seu ponto de validade. Já a sua essência continuará conservada. Viva! Por que? Porque o tempo não destrói o nosso “eu”.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Necrofobia de si.

      Tudo ao meu redor cheirava a morte. Estava parado por longas horas observando tudo e todos. Não conseguia calcular o contingente de pessoas, pois havia muitas. Ora saiam, ora chegavam. O fluxo estava enorme, por isso ainda não conseguira olhar o morto. O enterro tornara-se um engarrafamento. Tentei chegar mais perto, porém não tive êxito. Eu não havia entendido o porquê eu ainda me encontrava ali, naquele local fúnebre. Algo estava me deixando angustiado. Um sentimento de vazio havia dominado o meu corpo, mas eu não estava me sentindo só.
      Alguns minutos depois, tentando descobrir a face do morto, percebi que tudo estava em silêncio e notei que uma senhora, cujos cabelos brancos já haviam dominado todo o seu couro cabeludo e as rugas delimitavam o preço da sua idade, chorava e soluçava como uma criança que perdera o seu pirulito. Senti pena dela. Desejei me aproximar, mas na medida em que me aproximava, parecia que me afastava mais. Não sei o porquê, mas algo me levava a crer que deveria acalentá-la. Ela precisava de mim. E nem ao menos sabia quem ela era. Parecia alguém conhecida, mas não sabia distingui-la. Apesar disto, algo aguçava o meu instinto solidário. Queria ao menos abraçá-la e dizê-la que tudo ficaria bem.
      Nunca fora bem em acalmar alguém desde que meu único irmão morreu em um acidente de carro, há cinco anos. Desde então, eu vivo para minha mãe, pois havia prometido a ela que nunca a deixaria só. Sempre estaria com ela. É, talvez fosse isso! Aquela senhora me fazia lembrar a minha mãe, que sofrera bastante com a perda do meu irmão. Talvez, eu quisesse protegê-la na tentativa de fazer o que eu não fiz com a minha mãe quando meu irmão morrera. Agora, aquela mulher me fazia chorar. Na verdade, estávamos chorando juntos. Neste instante, as pessoas começavam a jogar as rosas sobre o cadáver. Eu reconhecera aquelas rosas. Eram as minhas preferidas. A cada flor, uma lágrima brotava do meu rosto concomitantemente. Minhas lágrimas me desobedeciam constantemente. Tornaram-se traiçoeiras. As lágrimas da senhora também escorregavam pelas suas inúmeras marcas do tempo presentes em sua face. Então, tentara lhe oferecer uma rosa, mas antes que conseguisse, o único espinho que existia havia me espetado. E antes que eu pudesse notar, três gotas de sangue caíam sobre o corpo do rapaz. Ah, aquelas delicadas flores vermelhas, naquele instante, cheiravam a morte. O indistinguível aroma se transfigurava morbidamente. E o vermelho de suas pétalas me lembrava sangue. Dor! Dor foi o que eu consegui sentir no momento. E eu via tais rosas cobrindo lentamente o corpo daquele homem de aspecto jovial. Tudo caminhava lento. Até as minhas idéias. Entretanto, o choro incansável da pobre senhora dava ritmo ao momento fúnebre. De repente, além do infindável choro da comovente senhora, aparecera uns sons melancólicos que foram se transformando em uma marcha fúnebre. Aqueles sons pareciam aumentar a cada momento, e eu escutava um chamado. Não conseguira saber quem era e o que dizia. Entretanto, era envolvente e tentador. Algo me levava até a voz que me convidava a algo. Quando estava me encaminhando até a voz, algo me trouxe novamente para a mórbida cena. Filho! Foi isso que eu escutara. Era a senhora que se desesperava ao ver uns homens de preto se preparem para fechar o caixão e enterrá-lo. Por que aquilo centralizava toda a minha atenção? Não sei, não sabia me responder. Algo me sufocava à medida em que o caixão era suspenso e descia por entre aquela terra úmida. Conseguira sentir em minha própria pele os vermes festejando à espera da putrefação daquele corpo. Um calafrio dominou minha pele. Olhei pro céu, o sol estava lá, mas parecia que estava nublado.
      Nada me agradava, naquele momento. Novamente, aquela senhora aflita demonstrava o quanto ainda precisava daquele homem que estava morto. Ela não queria se desligar dele. Ela queria morrer. Rapidamente, seguraram-na, evitando que ela se jogasse juntamente com o caixão que já estava há metros daquela multidão que assistia ao enterro. A senhora que reconhecera sua impotência diante das pessoas que a seguravam, começava a cantar uma cantiga que seu filho adorava quando era criança. Que bela cantiga! Quando dei por mim, também estava cantando juntamente com aquela senhora. Não! Não era possível. Agora, entendia tudo e ao mesmo tempo não entendia nada. Meus pensamentos explodiam dentro de mim, deixando-me confuso. Meu corpo todo endureceu e estava gélido. Entretanto, sentia minha pele queimar. Tudo ardia! Meu corpo tornara-se um vulcão e o meu sangue saia feito chamas do meu corpo. Minhas lágrimas, agora, evaporavam. Tentei me mover, escapar daquilo tudo. Desejei fugir. Contudo aquela cantiga me prendia. Gritei! Ninguém me respondia. Gritar era um fracasso. Os choros abafavam minha voz, principalmente o choro daquela senhora que agora eu finalmente a reconhecera. Pobre mãe!

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Segredos de uma adolescente.


     O lugar estava totalmente escuro. Era um cubículo desconhecido. À princípio, parecera um quarto de uma pousada, o qual possuíra apenas uma janela de vidro, que contemplava os possíveis hóspedes com uma bela vista para o mar. O sol estava nascendo e clareando o local com algumas flechas de luz. Paulatinamente, os raios de sol penetravam pela janela e refletiam no rosto de uma garota que estava dormindo no canto do quarto, perto de uma cama bastante desarrumada. Parecera que algum fenômeno da natureza havia entrado naquele local e o deixado naquele estado. E a garota também contribuía para tal situação. Os raios solares foram aos poucos tocando o rosto da menina, acordando-a. O sono parecia bom, mas, agora despertada, ela via a sua imagem refletida na janela. Rapidamente, ela escondera o seu rosto com as mãos. Ela não conseguira olhar pra si mesma. Ela estava pálida. Seus lábios vermelhos não demonstravam sinal da existência de uma circulação sanguínea. Sentira vergonha. Por algum motivo, ela se sentira assim.
      Ela estava paralizada. Olhava ao seu redor e começava a se lembrar das cenas que protagonizaram o pior dia da sua vida. Tudo representava um dia inesquecível para aquela moça, porém nada era digno de uma fotografia. Repentinamente, ela começara a tremer. Todo o seu corpo tremia feito um terremoto. Não conseguira imaginar o quão árdua fora a sua vida durante aquelas cenas que duraram duas horas. Mas que para ela, tornaram-se eternidade.  Parecera que naquele momento, tais horas nunca chegariam ao fim e que apesar de ter completado 13 anos, semana passada, a sua vida, agora, se resumira apenas aquelas duas infindáveis horas. E aqueles instantes insistiam incansavelmente em aparecer na forma de flashes para a garota. Ela começara a sentir fortes dores na cabeça e em todo o seu corpo. Tudo doía. A lembrança daquele dia lhe era uma dor. Decidira guardar segredo. Quem sabe tentaria guardar esse segredo de si mesma. Embora fosse impossível.
      Aquela menina de longos cabelos pretos iniciara um choro profundo e desesperador, porém calado. Tinha vergonha até da sua voz. Sentira-se recuada. Só!  Nem ao menos conseguira levantar a mão até a própria face para enxugar seu rosto das chuvas de lágrimas que inundara o seu corpo como um rio. Não queria se tocar. Aliás, não pensara em mais nada. Não sabia como encararia a vida. Tudo seria difícil. Desse modo, preferia ficar ali. Reclusa. Ela não seria mais a mesma e talvez nunca mais fosse perdoada. Quem ela era, agora? Diante de tais reflexões, ela sentira algo molhado em suas mãos. Ela hesitara uma movimentação, mas desistira dessa idéia pouco tempo depois. A princípio não conseguira identificar aquilo, pois o local ainda estava escuro e o sol ainda não nascera completamente. Aproximara as mãos trêmulas da sua irrevelável face e tentara cheirar aquele líquido. Sentira um aroma diferente, mas ela estava convicta... Era sangue!



Sem título!

       Ana era uma pobre pedinte que morava nas ruas juntamente com seus três filhos. Há tempos que carrega a miséria da vida e o peso da pobreza era grande. Era uma mulher seca, característica que revelava o quão amarga era a sua vida E isso a deixava cansada, tornando-a uma mulher sem feições. Também nunca fora vaidosa. Sempre vivera com um lenço amarelo encardido na cabeça, escondendo as suas madeixas cor de canela. Ela só possuíra dois vestidos, mas sempre preferira usar o vestido azul com flores brancas que ganhara de uma senhora durante o Natal. Na verdade, agora o vestido tornara-se um trapo, entretanto, ela não se importava. Ela já não se preocupava com nada. Afinal, seu único interesse era a sobrevivência. E a esperança era o único desejo de mudança, era a única certeza para o amanhã. E não existia nada tão incerto quanto o amanhã. Veria a luz do sol novamente? E os olhos agonizantes dos três filhos? Aqueles os quais lhe davam forças para suportar a incerteza de todos os dias. A incerteza da felicidade, de um futuro melhor.
      Ana não possuíra nada, nem ao menos sonhos. Sempre achava que os sonhos eram luxo. E ela não poderia comprá-los. As crianças também não sonhavam. Talvez houvessem se alimentado dos sonhos em uma das inúmeras tardes de fome. Pobres meninos! Apesar de tudo, ela era forte e suportava tudo com muita coragem, pois sabia que seus filhos ainda dependiam dela. Tinha medo de perdê-los. Às vezes não sabia quando iria vê-los novamente. Eram sempre tão fracos e indefesos. Suas costelas amostra determinavam a constante pobreza instalada no cotidiano daqueles garotos, cuja diferença de idade era grande, porém a pobreza tornava-os iguais. Sujos! Pobres! Fétidos! Entretanto, para Ana eram meninos valiosos que simplesmente a tornavam rica. Embora essa riqueza não eliminasse as mazelas diárias, principalmente, a insistente fome. Por isso, Ana pensara que comer era uma questão de sorte. Quanto azar nesse jogo!
      Em virtude disto, Ana e seus três filhos costumavam falar muito pouco. Não existiam conversas paralelas. Falar doía, doía muito. Os gritos e choros de fome forçavam-lhes alguns sons. Quase imperceptíveis. Eles já não tinham força para uma comunicação duradoura. Eles já não se entendiam. Suas bocas não conseguiam fazer grandes movimentações. Então, poupavam qualquer tentativa de articulação. Assim, eles passavam, grande parte do dia, sentados e imóveis frente a um luxuoso restaurante francês, evitando qualquer movimento, amenizando a dor provocada pela fome. Apenas observando os carros, as pessoas apressadas para realizarem o consumismo desenfreado, as quais deixavam o tempo mais frio com a frieza diante daquela distinguível família. Consumiam produtos que Ana desconhecia e até considerava desnecessários. E, na maioria das vezes, eram. Assim, eles continuavam, ali, olhando para o nada, quiçá esperando a morte... Pobre Família!
       Naquele dia, o sol parecera não querer ajudar, estava tudo muito quente! E Ana já não soubera falar que não havia nada para satisfazer a fome dos seus três pobres indigentes. Oras, parecia um dia comum, mas ela estava desesperada. Aflição! Calor! Fome! Delírio! Ana sentia-se um fracasso, uma impotência diante da circunstância que lhe enfrentava naquele momento. Batia-lhe uma aflição agonizante. Além disso, a fome lhe fazia companhia. E parece que elas conversavam, buscando sugestões ou talvez soluções. Assim, diante de tal situação, ela decidira por seus filhos para dormir, em uma tentativa de que eles esquecessem a intensa fome. Então, eles foram dormir... E eles não mais sentiram fome.